Despertai, 8 de Julho de 1998

06/05/2015 22:05

Testemunhas de Jeová — coragem diante do perigo nazista

 
 
DO CORRESPONDENTE DE DESPERTAI! NA ALEMANHA
 
AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ são bem conhecidas pelo seu apego firme à Palavra de Deus, a Bíblia. Isso muitas vezes exige coragem, e certamente afeta a vida e as relações delas com outros.
 
Por exemplo, as Testemunhas de Jeová respeitam profundamente pessoas de todas as formações étnicas e culturais. Amam a Deus e ao seu próximo. (Mateus 22:35-40) Concordam de coração com o apóstolo Pedro, que declarou: “Certamente percebo que Deus não é parcial, mas, em cada nação, o homem que o teme e que faz a justiça lhe é aceitável.” — Atos 10:34, 35.
As Testemunhas de Jeová são também conhecidas no mundo inteiro pelo seu respeito à lei, à ordem e às autoridades constituídas. Nunca foram, e jamais serão, um foco de subversão. Nem mesmo quando são perseguidas, em alguns países, por adotarem a posição apostólica: “Temos de obedecer a Deus como governante antes que aos homens.” (Atos 5:29; Mateus 24:9) Ao mesmo tempo, as Testemunhas de Jeová reconhecem o direito de outros de adorar segundo os ditames de sua consciência.
A corajosa posição cristã das Testemunhas de Jeová na Alemanha e em outros países dominados por Adolf Hitler é bem documentada. Um evento notável ocorrido em Berlim, Alemanha, em 1933, ilustra a coragem, o amor a Deus e ao próximo e o respeito à lei, à ordem e à liberdade religiosa demonstrados pelas Testemunhas de Jeová.
 

Nenhuma transigência com Hitler

 
Foi há mais de 50 anos que acabou o monstruoso reinado de racismo e assassinato de Hitler, que durou 12 anos. No entanto, o regime nazista abriu feridas que até hoje afligem a humanidade.
 
Os historiadores reconhecem que apenas poucos grupos se opuseram corajosamente e denunciaram o terror nazista. Entre estes as Testemunhas de Jeová, descritas como “pequena ilha de resistência férrea no seio de uma nação dominada pelo terror”. A sua posição corajosa é bem documentada por respeitados historiadores.
 
Uns poucos críticos, contudo, incluindo alguns ex-associados, acusam as Testemunhas de Jeová de tentarem transigir com o regime de Hitler, no início. Afirmam que representantes da Sociedade Torre de Vigia (da Alemanha) tentaram em vão granjear o favor do novo governo e que, pelo menos por algum tempo, endossaram a ideologia racista dos nazistas, que acabou levando ao assassinato de seis milhões de judeus.
 
Essas alegações sérias são absolutamente falsas. O seguinte é um exame franco dos eventos em questão, baseado em documentação disponível e no contexto histórico.
 

Retrospectiva

 
As Testemunhas de Jeová estão ativas na Alemanha há mais de 100 anos. Em 1933, havia aproximadamente 25.000 associados que adoravam a Jeová e distribuíam literatura bíblica por toda a Alemanha.
 
Apesar das liberdades garantidas pela constituição alemã daquele tempo, as Testemunhas de Jeová freqüentemente sofriam campanhas difamatórias principalmente por parte de oponentes religiosos. Já em 1921, as Testemunhas de Jeová, então chamadas de Ernste Bibelforscher (Fervorosos Estudantes da Bíblia), eram acusadas de terem ligações com os judeus em movimentos políticos subversivos. Os Estudantes da Bíblia eram tachados de perigoso “verme judeu” bolchevique, embora nenhuma prova dessas acusações jamais fosse apresentada. O teólogo suíço Karl Barth escreveu mais tarde: “A acusação de que as Testemunhas de Jeová têm ligações com os comunistas só pode ser atribuída a um mal-entendido involuntário ou até mesmo intencional.”
 
Certa revista religiosa na Alemanha acusou as Testemunhas de Jeová e os judeus de serem co-conspiradores em movimentos revolucionários. Em resposta, a edição alemã de 15 de abril de 1930 de A Idade de Ouro (precursora de Despertai!) declarou: “Não temos motivo para considerar essa acusação falsa como insulto — pois estamos convencidos de que o judeu é tão valioso como pessoa como o cristão nominal; mas rejeitamos a acima mencionada inverdade do tablóide religioso, pois visa desacreditar a nossa obra, como se esta não estivesse sendo feita pela causa do Evangelho mas pela causa dos judeus.”
 
E o professor de História John Weiss escreveu: “As Testemunhas de Jeová estavam isentas do nacionalismo racial alemão e não haviam ruminado por séculos o fato de os judeus não se converterem. As Testemunhas ainda se apegavam à crença cristã original, ainda que de ares de superioridade, de que é preciso persuadir todos os potenciais conversos ao Cristo.”
O que aconteceu quando Hitler chegou ao poder?
 
Em 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler foi nomeado novo chanceler da Alemanha. No começo, o governo de Hitler esforçou-se em ocultar a sua natureza violenta e extremista. Assim, as Testemunhas de Jeová, bem como milhões de outros alemães no início de 1933, encaravam o Partido Nacional-Socialista como legítima autoridade governante da época. As Testemunhas de Jeová esperavam que o governo nacional-socialista (nazismo) compreendesse que esse grupo cristão, pacífico e respeitador da lei, não representava nenhuma ameaça subversiva ao Estado. Isso não implicava em transigência com princípios bíblicos. Como tem sido o caso em outros países, as Testemunhas de Jeová desejavam informar o governo da verdadeira natureza não-política de sua religião.
 
Logo ficou evidente que as Testemunhas de Jeová estavam entre os primeiros alvos da brutal repressão nazista. Elas foram novamente tachadas de cúmplices numa alegada conspiração bolchevista-judaica. Começou uma campanha de perseguição.
Por que um grupo religioso tão pequeno atrairia a fúria do novo regime? O historiador Brian Dunn identifica três razões fundamentais: (1) o escopo internacional das Testemunhas de Jeová, (2) sua oposição ao racismo e (3) sua posição de neutralidade para com o Estado. Por causa de seus conceitos bíblicos, as Testemunhas alemães recusavam-se a fazer a saudação a Hitler, a apoiar o Partido Nacional-Socialista, ou a mais tarde participar nas atividades militares nazistas. — Êxodo 20:4, 5; Isaías 2:4; João 17:16.
 
Em resultado disso, as Testemunhas de Jeová sofreram ameaças, interrogatórios, batidas policiais em suas casas e outras importunações por parte da polícia e das SA (Sturmabteilung, tropas de assalto, ou camisas-pardas, de Hitler). Em 24 de abril de 1933, as autoridades confiscaram e lacraram a sede da Torre de Vigia em Magdeburgo, Alemanha. Depois de uma busca cabal sem produzir nenhuma evidência incriminadora, e sob pressão do Departamento de Estado americano, a polícia devolveu a propriedade. Em maio de 1933, porém, as Testemunhas de Jeová já haviam sido banidas em vários estados alemães.
 
 

As Testemunhas tomam uma medida corajosa

 
Durante esse período inicial, Hitler cultivou cuidadosamente uma imagem pública de paladino do cristianismo. Ele proclamou seu compromisso com a liberdade religiosa, prometendo tratar as denominações cristãs “com justiça objetiva”. Para reforçar a sua imagem, o novo chanceler comparecia às igrejas. Era um período em que muitas pessoas em países que mais tarde estariam em guerra com a Alemanha expressavam admiração pelas realizações de Hitler.
 
Preocupado com as crescentes tensões na Alemanha, Joseph F. Rutherford, então presidente da Sociedade Torre de Vigia (EUA), junto com o administrador da filial na Alemanha, Paul Balzereit, decidiram lançar uma campanha para informar ao Chanceler Hitler, às autoridades do governo e ao público em geral que as Testemunhas de Jeová não representavam nenhuma ameaça ao povo alemão e ao Estado. Rutherford evidentemente achava que Hitler não sabia dos ataques contra as Testemunhas de Jeová, ou que havia sido mal informado sobre elas por elementos religiosos.
 
Por conseguinte, a sede em Magdeburgo providenciou a realização de um congresso para fazer uso do direito de reivindicação dos cidadãos da Alemanha. Com pouca antecedência, as Testemunhas de Jeová de toda a Alemanha foram convidadas ao Wilmersdorfer Tennishallen, em Berlim, para o dia 25 de junho de 1933. Esperava-se cerca de 5.000 representantes. Mas, apesar do clima de hostilidade contra eles, mais de 7.000 corajosamente compareceram. Os reunidos adotaram uma resolução intitulada “Declaração de Fatos”. Este documento protestava contra as restrições impostas à obra das Testemunhas de Jeová. Declarava inequivocamente a posição delas e negava as acusações de ligações subversivas com causas políticas de qualquer tipo. Dizia:
“Temos sido falsamente acusados perante as autoridades desse governo . . . Pedimos, com respeito, que os governantes da nação e o povo analisem com justiça e imparcialidade a declaração de fatos aqui apresentada.”
“Não estamos em litígio com pessoas ou com instrutores religiosos, mas temos de chamar atenção ao fato de que, em geral, quem nos persegue e nos difama perante os governos são aqueles que afirmam representar a Deus e a Jesus Cristo.”
Congresso de coragem ou de transigência?
 
Alguns dizem agora que o congresso de 1933 em Berlim e a “Declaração de Fatos” foram tentativas da parte de Testemunhas de Jeová preeminentes de mostrar apoio ao governo nazista e seu ódio aos judeus. Mas suas afirmações não são verdadeiras. Elas baseiam-se em informações errôneas e na distorção de fatos.
 
Por exemplo, os críticos afirmam que as Testemunhas decoraram o Wilmersdorfer Tennishallen com bandeiras da suástica. Fotos do congresso de 1933 mostram claramente que não havia suásticas no auditório. Testemunhas oculares confirmam que não havia bandeiras dentro do salão.
 
É possível, contudo, que houvesse bandeiras no lado de fora do prédio. Uma tropa de combate nazista havia usado o salão no dia 21 de junho, a quarta-feira antes do congresso. E, exatamente um dia antes do congresso, multidões de jovens junto com unidades das SS, das SA e outros celebraram, nas imediações, o solstício de verão. Assim, as Testemunhas de Jeová que chegavam ao congresso de domingo talvez fossem surpreendidas com a vista de um prédio enfeitado com bandeiras da suástica.
Se realmente houvesse bandeiras da suástica decorando o exterior do salão, os corredores, ou até mesmo o interior, as Testemunhas de Jeová não as teriam retirado. Mesmo hoje, quando alugam locais públicos para reuniões e congressos, elas não removem os símbolos nacionais. Mas não existe evidência de que as próprias Testemunhas de Jeová tivessem pendurado bandeiras ou as saudado.
 
Os críticos dizem também que as Testemunhas de Jeová abriram o congresso com o hino nacional alemão. Realmente, o congresso começou com “A Gloriosa Esperança de Sião”, Cântico 64 do cancioneiro religioso das Testemunhas de Jeová. A letra desse cântico foi adaptada à música composta por Joseph Haydn em 1797. O Cântico 64 já estava no cancioneiro dos Estudantes da Bíblia pelo menos desde 1905. Em 1922, o governo alemão adotou a melodia de Haydn com a letra de Hoffmann von Fallersleben como hino nacional. Não obstante, os Estudantes da Bíblia na Alemanha ocasionalmente ainda cantavam o cântico 64, assim como os Estudantes da Bíblia em outros países.
 
Entoar um cântico sobre Sião dificilmente poderia ser interpretado como tentativa de aplacar os nazistas. Sob pressão de nazistas anti-semitas, outras religiões haviam removido de seus hinários e de suas liturgias termos hebraicos tais como “Judá”, “Jeová” e “Sião”. As Testemunhas de Jeová não fizeram isso. Portanto, os organizadores do congresso certamente não esperavam granjear o favor do governo por entoarem um cântico que exaltava Sião. Possivelmente, alguns presentes talvez relutassem em cantar “A Gloriosa Esperança de Sião”, visto que a melodia dessa composição de Haydn era a mesma que a do hino nacional.
 

Uma declaração de propósitos

 
Com o governo em transição e o país em tumulto, as Testemunhas de Jeová desejavam deixar bem clara a sua posição. Por meio da “Declaração”, elas negaram fortemente as acusações de envolvimento financeiro ou vínculos políticos com os judeus. Assim, o documento declarava:
“Os nossos inimigos alegam falsamente que a nossa obra recebe apoio financeiro de judeus. Nada mais longe da verdade. Até este momento, jamais houve a menor contribuição financeira para a nossa obra por parte de judeus.”
Tendo mencionado dinheiro, a “Declaração” passou a denunciar práticas injustas do alto comércio. Dizia: “São os financistas judeus do império britânico-americano que criaram e que praticam o Alto Comércio como meio de explorar e oprimir os povos de muitas nações.”
 
Essa declaração claramente não se referia ao povo judeu em geral, e lamenta-se caso tenha sido entendida mal e se tornado motivo de ofensa. Alguns têm afirmado que as Testemunhas de Jeová partilhavam da hostilidade para com os judeus que, naquele tempo, era comum ouvir-se pregar nas igrejas alemães. Isso é absolutamente inverídico. Por meio de suas publicações e de sua conduta durante a era nazista, as Testemunhas de Jeová rejeitaram os conceitos anti-semitas e condenaram os maus-tratos que os nazistas infligiam aos judeus. Certamente, a bondade delas para com os judeus com quem dividiram a sua sorte nos campos de concentração refuta com eloqüência essa acusação falsa.
 
A “Declaração” definiu a obra das Testemunhas de Jeová como sendo de caráter religioso, afirmando: “A nossa organização não é política em nenhum sentido. Apenas insistimos em ensinar a Palavra de Jeová Deus ao povo.”
A “Declaração” também lembrava o governo de suas próprias promessas. As Testemunhas de Jeová defendiam certos ideais elevados, e acontece que estes mesmos ideais eram também publicamente defendidos pelo governo alemão. Entre estes, os valores de família e a liberdade religiosa.
 
Neste respeito, a “Declaração” acrescentou: “Um exame cuidadoso de nossos livros e outras publicações revelará o fato de que os próprios ideais elevados defendidos e promulgados pelo atual governo nacional são apresentados, defendidos e fortemente enfatizados nas nossas publicações, e mostram que Jeová Deus cuidará de que esses elevados ideais no devido tempo sejam alcançados por todas as pessoas que amam a justiça.”
 
Assim, as Testemunhas de Jeová jamais expressaram apoio ao Partido Nazista. Ademais, no exercício da liberdade religiosa, elas não intencionavam parar a sua pregação pública. — Mateus 24:14; 28:19, 20.
 
Segundo o relato no Anuário das Testemunhas de Jeová de 1975, algumas Testemunhas alemãs ficaram desapontadas com o tom da “Declaração”, achando que devia ser mais explícito. Havia o administrador da filial, Paul Balzereit, suavizado o texto do documento? Não, pois uma comparação dos textos alemão e inglês mostra que isso não aconteceu. Evidentemente, uma impressão ao contrário baseou-se em observações subjetivas de alguns que não estavam diretamente envolvidos na preparação da “Declaração”. As suas conclusões talvez também tenham sido influenciadas pelo fato de que Balzereit renunciou à sua fé apenas dois anos mais tarde.
 
Sabe-se agora que uma proscrição contra as Testemunhas de Jeová havia sido emitida no sábado, 24 de junho de 1933, exatamente um dia antes do congresso em Berlim. Os organizadores do congresso e a polícia souberam dessa proscrição alguns dias depois. Em vista do clima de tensão e da evidente hostilidade das autoridades nazistas, a simples realização do congresso é notável. Não é exagero dizer que 7.000 Testemunhas de Jeová arriscaram corajosamente a sua liberdade comparecendo a esse encontro.
 
Depois do congresso, as Testemunhas de Jeová distribuíram 2,1 milhões de cópias da “Declaração”. Algumas foram presas imediatamente e enviadas a campos de trabalho forçado. Assim, o governo nazista revelou plenamente a sua natureza opressiva e violenta e logo lançou um ataque total contra esse pequeno grupo de cristãos.
 
A professora Christine King escreveu: “A força bruta não podia suprimir as Testemunhas de Jeová, é o que os nazistas vieram a descobrir.” Era como dizia a “Declaração”: “O poder de Jeová Deus é supremo, e não existe poder capaz de resistir-Lhe com êxito.”